Uma empresa só se mantém em crescimento sustentado quando em um ambiente social igualmente próspero. A equação é básica. Gerando um impacto positivo – em vez que apenas apropriativo – em seu entorno, a empresa se mantém atrativa para acionistas, profissionais e clientes, logo capaz de atrair investimentos, conhecimentos, habilidades, competências e reconhecimento necessários para desenvolver e consolidar vantagens competitivas e reputacionais.
Mas quais os temas e princípios que caracterizam uma empresa socialmente responsável? Como empresas com responsabilidade social atuam na prática, integrando esses temas e princípios em sua atuação?
A ISO tem um guia-referência para ajudar a responder a essas perguntas e, mais do que isso, para se tornar mais socialmente responsável: a ISO 26000:2010.
Neste artigo, você conhece em uma versão resumida o conteúdo dessa norma, que não substitui a leitura da norma por completo.
A origem da ISO 26000
A ISO 26000 começou a ser desenvolvida em 2002 por um grupo de trabalho constituído pelos 91 países-membros e 42 organizações que representam mais de um país, com o objetivo de prover ao ambiente corporativo instrumentos para vencer as diferenças sociais, culturais, ambientais, legais e econômicas.
A ISO 26000 fornece orientação sobre o que é responsabilidade social, orientando as organizações de todos os tipos, tamanhos e locais sobre os temas e princípios que devem ser seguidos por quem deseja amadurecer sua atuação.
No entanto, ela não é uma norma certificável, isto é, não servirá para conseguir um selo de responsabilidade social ou equivalente.
A estrutura da ISO 26000
A ISO 26000 é uma norma extensa, com sete seções e um anexo. A estrutura dela é ilustrada na imagem abaixo:
Resumo da ISO 26000
Nesta seção, você conhece de maneira extremamente resumida o conteúdo da ISO 26000. Esta exposição pinça, da sequência das seções, os pontos fundamentais para uma compressão do todo.
Seção 3: compreensão da responsabilidade social
Segundo a ISO 26000 os elementos que caracterizam a responsabilidade social corporativa evoluíram no tempo, para um envolvimento maior das organizações.
Inicialmente, compunham atividades beneficentes, como doações. Depois, incluíram práticas leais de operação, como saúde e segurança no trabalho, direitos trabalhistas etc.
Mas essa função social se ampliou, levando a oferta de serviços geralmente providos pelo governo, como educação, bem-estar e saúde, assim como a devida responsabilização pelos impactos desses serviços na sociedade.
Seção 4: 7 princípios da responsabilidade social
A ISO 26000 enumera sete princípios da responsabilidade social.
- Accountability: Trata-se da supervisão e prestação de contas por seus impactos na sociedade, meio ambiente e economia, responsabilizando-se pela identificação e gestão de erros.
- Transparência: Envolve a devida divulgação e publicidade das políticas, decisões e atividades das organizações, assim como sobre seus efeitos
- Comportamento ético: Tomada de decisão e ações baseadas em valores como honestidade, igualdade e integridade.
- Respeito pelos interesses das partes interessadas: Clareza sobre partes interessadas, reconhecimento e devida consideração de suas expectativas, assim como comunicação.
- Respeito pelo estado de direito: Reconhecimento e aceitação da supremacia da lei vigente.
- Respeito pelas normas internacionais de comportamento: Ao mesmo tempo que reconhece e aceita a supremacia da lei vigente do estado de direito, adere às leis internacionais (sobretudo onde aquelas não são previstas).
- Respeito aos direitos humanos: Atuação alinhada à universalidade dos direitos previstos na Cartas Internacional dos Direitos Humanos.
Seção 5: Reconhecimento da responsabilidade social da organização e engajamento das partes interessadas
Uma organização não é socialmente responsável sem proatividade. Mas seus esforços tampouco podem ser aleatórios. Nesta seção, é sobre isso que a ISO 26000 chama a atenção.
Qualquer esforço em responsabilidade parte do reconhecimento de quem e de como a organização afeta a sociedade e partes interessadas nos temas centrais da responsabilidade social (veja quais são na seção abaixo), confrontando-os com as expectativas destes sobre ela.
O texto ressalta que as expectativas da organizaçõ vs. partes interessadas vs. sociedade podem diferir uma da outra sobre os mesmos pontos, levando à necessidade de um alinhamento e equilíbrio.
Ao final, enfatiza que o reconhecimento é contínuo, devendo ser realizado sempre que oportuno e a intervalos planejados, inclusive com o diálogo com a sociedade e partes interessadas pertinentes.
Seção 6: Temas centrais da responsabilidade social
A ISO 26000 elenca 7 temas centrais da responsabilidade social. Vejamos cada um deles:
1, Governança organizacional
Envolve os sistemas e mecanismos que a empresa cria para orientar e formalizar a tomada de decisão, implantação de ações e monitoramento contínuo de sua execução e efeitos. Fundamental para qualquer possibilidade de responsabilização social.
2. Direitos humanos
Garantia de que a organização atende tanto direitos civis e políticos (leia-se: direito à vida, igualdade perante a lei etc.) quanto direitos econômicos, sociais e culturais (leia-se: direito ao trabalho, à alimentação, à educação etc.) e a busca por mantê-los mesmo em situações de risco, como conflitos e instabilidade política.
A empresa também deve ter instrumentos legítimos para garantir a não interferência em queixas de violações a esses direitos.
3. Práticas de trabalho
O empregador tem o poder de determinar como serão muitas das condições de trabalho. Mas elas devem ser determinadas à luz da consideração da vulnerabilidade do trabalhador e da necessidade de proteger direitos básicos.
Isso engloba, mas não se limita à garantia da legalidade das contratações, assim como à construção de políticas e práticas trabalhistas seguras e socialmente responsáveis em relação a:
- jornadas;
- cargos e salários;
- promoções;
- rescisões;
- treinamentos e capacitações;
- saúde do trabalhador etc.
4. Meio ambiente
Trata-se da busca e da adoção de uma abordagem da sociedade a partir de sua relação com o meio ambiente, com ações de responsabilidade ambiental como conscientização, prevenção e remediação de incidentes de acordo com o nível de criticidade.
5. Práticas leais de operação
Busca da manutenção de relações éticas em ações com outras organizações e com órgãos públicos, com iniciativas para prevenção e combate à corrupção, envolvimento político responsável, concorrência leal etc.
6. Questões relativas ao consumidor
Envolve ações com vistas ao relacionamento e garantia de segurança do consumidor e clientes, como informações adequadas, ações de marketing leais, proposta de contratos justos e transparentes, manutenção procedimentos de atendimento etc.
7. Envolvimento e desenvolvimento da comunidade
Uma organização socialmente responsável é ativa em sua comunidade, promovendo ações que levem à ampliação do seu desenvolvimento e nível de bem-estar, incluindo geração de emprego, programas de capacitação, promoção da cultura local, serviços de saúde para a comunidade etc.
Seção 7: Integração de responsabilidades sociais na organização
Saber o que fazer não garante saber como fazer. Por isso, a ISO 26000 tem uma seção dedicada inteiramente ao campo prático. Vamos a seus principais pontos:
Compreensão, identificação e seleção dos temas centrais
Segundo a ISO 26000, não é necessário reinventar a roda. As organizações devem aproveitar seus próprios sistemas, políticas e estruturas de que já dispõem tanto quanto possível para compreender por onde começar a se fazer socialmente relevante. Só depois de exauri-los devem propor e construir novos instrumentos.
A ISO sugere também que a empresa defina quais das suas características principais que se relacionam com os temas centrais da responsabilidade social, para abordarem o que realmente importa no seu contexto.
Para tal, a due diligence – identificação proativa de impactos de decisões e ações da organização – é um instrumento de avaliação interessante, pois ajudará entender como e o que atacar primeiro em uma estratégia de responsabilização social a nível corporativo.
Práticas de integração
Nos estágios iniciais, a organização estará muito focada no trabalho de conscientização sobre o tema – em todos os níveis organizacionais. Contar com as lideranças para difundir essa mensagem e agir em primeiro lugar dará o direcionamento correto do todo. A ISO 26000 elenca algumas formas de fazer isso:
- incluindo aspiração social na visão e missão;
- desenvolvendo competências para a prática nos colaboradores;
- criando código de ética e conduta;
- incluir a responsabilidade social no planejamento estratégico, posicionando junto com outros objetivos e criando para ela projetos e objetivos gerenciáveis ao longo do tempo;
- comunicar continuamente seus esforços em responsabilidade social a nível organizacional mas também com partes interessadas etc.
Com isso, forçosamente as iniciativas de responsabilidade social vão adentrar o sistema de governança e monitoramento da organização, entrando no bojo de seus processos de gestão de riscos, indicadores, auditorias etc.
Com essa estrutura gerencial, a organização garantirá mecanismos para dar robustez e credibilidade para as iniciativas, mas também garantir a sua continuidade e aprimoramento.
ISO 26000: instrumento de uma responsabilidade social bem fundamentada
A ISO 26000 é uma base teórica inescapável para organizações, um ponto de partida de alto nível para dar os primeiros passos ou para estruturar de maneira mais robusta um programa de responsabilidade social corporativa.
Porém, como a própria ISO 26000 deixa claro, a adesão é voluntária. Cada organização dará forma ao seu modo ao seu programa de responsabilidade social.
Bom trabalho.