Por José Martins dos Santos Neto
Consultor e Diretor da JMA Consultoria Empresarial / Linkedin
As Ferramentas da Qualidade Automotiva, conhecidas como Core Tools, são partes fundamentais dos requisitos necessários para aplicação em todos os Sistemas de Gestão da Qualidade Automotivas com base na norma IATF 16949:2016.
A sua aplicação de forma adequada à realidade e aos requisitos adicionais aplicáveis ao escopo do sistema de gestão da organização será uma base sólida e consistente para a completa adequação aos propósitos de todas as partes interessadas da organização.
Desta forma, é fundamental que as organizações compreendam a finalidade, os requisitos e a aplicação de cada um dos Core Tools, além de entender a relação de cada um deles com os requisitos normativos da IATF 16949:2016, sendo eles:
- APQP – Planejamento Avançado da Qualidade do Produto
- PPAP – Processo de Aprovação de Peças de Produção
- FMEA – Análise de Modos e Efeitos da Falha
- CEP – Controle Estatístico do Processo
- MSA – Análise do Sistema de Medição
Mas o que é o IATF?
O International Automotive Task Force (IATF) é um grupo de fabricantes de automóveis e suas respectivas associações de classe, formado para fornecer produtos de melhor qualidade para os clientes da indústria automotiva mundial, tendo como seus membros:
Montadoras de veículos | Associações Comerciais das Montadoras |
BMW Group Daimler AG Volkswagen AG | VDA QMC (Alemanha) |
FCA | ANFIA (Itália) |
Ford Motor Company General Motors | AIAG (US) |
Jaguar Land Rover (JLR) Limited | SMMT (Reino Unido) |
Groupe PSA Groupe Renault | FIEV (França) |
O que é a norma IATF 16949:2016?
A norma IATF 16949:2016 (1ª edição) foi elaborada com o foco de representar um documento com forte orientação para o cliente, incluindo alguns requisitos específicos de clientes anteriores de forma consolidada.
Sendo elaborada após revisão da ISO TS 16949:2009 (3ª edição), a IATF mantém uma forte cooperação com a ISO, mantendo o status do comitê de ligação, garantindo o alinhamento contínuo com a ISO 9001.
A base dos seus requisitos é formada da seguinte forma:
- ISO 9000:2015 Sistemas de Gestão da Qualidade – Fundamentos e Vocabulário
- ISO 9001:2015 Sistemas de Gestão da Qualidade – Requisitos
- IATF Rules – Regras 5º Edição – IATF 16949:2016
- SI’s – Sanctioned Interpretations – Interpretações Sancionadas
- FAQ’s – Frequently Asked Questions – Questões Frequentemente Perguntadas
- Requisitos Específicos dos Clientes
A IATF 16949:2016 com os Core Tools
O Automotive Industry Action Group (AIAG) é uma organização sem fins lucrativos em que OEMs, fornecedores, prestadores de serviços, entidades governamentais e indivíduos do meio acadêmico trabalham em conjunto a muitos anos reduzir os custos e a complexidade do fornecimento automotivo cadeia.
Há mais de 30 anos a AIAG desenvolveu alguns métodos e ferramentas comuns de qualidade que ficaram conhecidas como Core Tools.
Core Tools são Ferramentas Essenciais da Qualidade, e como se mostraram tão úteis que foram adotadas por outros setores manufatureiros, incluindo aeroespacial, defesa, médico e farmacêutico.
Estas ferramentas principais da qualidade automotiva são os alicerces de um sistema eficaz de gerenciamento da qualidade:
- APQP – Planejamento Avançado da Qualidade do Produto: método estruturado para assegurar que um produto satisfaça o cliente. Permite o planejamento de todas as atividades de desenvolvimento de novos produtos e/ou processos de manufatura conforme acordado com o cliente;
- PPAP – Processo de Aprovação de Peças de Produção: tem como objetivo fornecer evidências de que os requisitos de projeto e demais especificações do cliente foram atendidos durante o desenvolvimento. Além disso também aponta se o processo de manufatura tem o potencial de fornecer produtos consistentes com tais requisitos;
- FMEA – Análise de Modo e Efeitos da Falha: é um método baseado na identificação de todos os possíveis modos potenciais de falhas, determinando o seu efeito sobre o desempenho do componente, subsistema e sistema, os motivos de sua ocorrência e a capacidade de detectar tais falhas antes de entregar os produtos ao cliente;
- CEP – Controle Estatístico do Processo: é um método preventivo de comparar continuamente os resultados de um processo com os padrões, identificando a partir de dados estatísticos, as tendências para variações significativas, a fim de eliminar/controlar essas variações, com o objetivo de reduzi-las cada vez mais;
- MSA – Análise do Sistema de Medição: é um estudo realizado para garantir a qualidade dos dados obtidos e a capacidade de medir os resultados obtidos nas características do produto e parâmetros do processo de manufatura desenvolvidos.
Interação entre a IATF 16949:2016 e os core tools
Vamos apresentar os principais itens e requisitos normativos da IATF 16949:2016 que fazem algum tipo de referência direta aos Core Tools do AIAG ou métodos alternativos prescritos ou referenciados por clientes automotivos.
Seção 4 – Contexto da organização
Segurança do produto:
A organização deve ter processos documentados para a gestão da segurança do produto relacionados a produtos e processos de manufatura.
Como por exemplo, deve identificar as características de segurança relacionadas ao produto e definição de controles adicionais destas características relacionadas com o produto e processo de manufatura, utilizando o DFMEA, PFMEA e planos de controle.
Seção 5 Liderança
Foco no cliente (ISO 9001:2015):
Este é um item importante na norma, mas frequentemente esquecida por algumas organizações, definindo que a Alta Direção deve demonstrar a sua liderança e comprometimento com relação a ter foco no cliente.
Isso faz com que todas as ações e preocupações assegurem a determinação, entendimento e atendimento dos requisitos do cliente e os requisitos legais pertinentes, buscando aumentar a satisfação do cliente.
Considerando a importância de determinar, entender e atender consistentemente os requisitos do cliente, é fundamental avaliar quais são os requisitos específicos de cada cliente para a utilização dos Core Tools de referência, em geral aplicando os modelos de Core Tools do AIAG ou dos manuais de VDA – Associação Alemã da Indústria Automotiva (Verband der Automobilindustrie), mais aplicáveis a empresas de origem alemã.
Seção 7 Apoio
7.1.5 Recursos de monitoramento e medição
Análise do sistema de medição:
O conhecido MSA – Análise do Sistema de Medição, são estudos estatísticos que devem ser conduzidos para analisar a variação de cada tipo de sistema de inspeção, medição e de equipamentos de teste identificado no plano de controle.
Seção 8 Operação
8.3 Projeto e desenvolvimento de produtos e serviços
Planejamento de projeto e desenvolvimento – suplemento: O planejamento do projeto e desenvolvimento do produto e do processo de manufatura deve incluir todas as partes interessadas da organização e de sua cadeia de fornecedores.
Este planejamento deve utilizar uma abordagem multidisciplinar incluindo a gestão do projeto, como por exemplo o APQP e o desenvolvimento e análise crítica da análise de risco do projeto de produto (DFMEA) e do processo de manufatura (PFMEA).
Controles de projeto e desenvolvimento / 8.3.4.1 Monitoramento: As medições e monitoramento da evolução do projeto e desenvolvimento de produtos e processos devem ser definidas, analisadas e relatadas com resultados resumidos em estágios especificados, normalmente definidos no APQP.
Validação de projeto e desenvolvimento: A validação do projeto e desenvolvimento deve ser realizada de acordo com os requisitos do cliente, como por exemplo utilizando o manual de PPAP, conforme definido no APQP.
Programa de protótipo: quando requerido pelo cliente, a organização deve ter um programa de protótipo e um plano de controle específico para esta finalidade, como desdobramento do DFMEA.
Processo de aprovação do produto: a organização deve estabelecer, implementar e manter um processo de aprovação do produto e da manufatura em conformidade com os requisitos definidos pelos clientes, tais como o manual de PPAP.
Um ponto muito importante é que a organização deve obter uma aprovação de produto documentada antes da expedição, de acordo com o acordado com o cliente, mantendo o registro desta aprovação, sendo esta subsequente à verificação do processo de manufatura pela própria organização.
Saídas de projeto e desenvolvimento – suplemento: como parte das saídas do projeto do produto, deve estar incluído a metodologia de análise de risco do projeto (DFMEA).
Saídas de projeto de processo de manufatura: como parte das saídas do projeto do processo de manufatura, deve estar incluído a metodologia de análise de risco do projeto (PFMEA) e o plano de controle.
Mudanças de projeto e desenvolvimento – suplemento: as mudanças no projeto que ocorrerem após a aprovação inicial do produto devem ser analisadas criticamente em relação ao seu impacto potencial, devendo ser validadas novamente.
Esta revalidação deve ser realizada de acordo com o definido nos manuais de referência, como por exemplo o manual de PPAP (ver critérios para notificação e submissão no Manual de PPAP) e devem incluir as mudanças propostas tanto pela organização ou por seus fornecedores.
Controle de processos, produtos e serviços providos externamente / 8.4.2.1 Tipo e extensão do controle – suplemento: Este item faz a referência a necessidade de ter um processo documentado para verificar a conformidade de produtos, processos e serviços fornecidos externamente com os requisitos internos (organizacionais) e externos (clientes), incluindo a referência a um processo de validação, tal como o PPAP para os seus fornecedores.
8.5 Produção e provisão de serviço
Controle de produção e de provisão de serviço / 8.5.1.1 Plano de Controle: este é o requisito dedicado aos planos de controle (de acordo com o Anexo A da IATF 16949), podendo estes ser por família. Lembrando que existem três tipos de plano de controle, cobrindo três fases distintas de protótipo, pré-lançamento e produção, conforme desdobramento do PFMEA.
Mudança temporária nos controles do processo: mudança importante na publicação da IATF 16949:2016, este item define a necessidade de identificar, documentar e manter uma lista dos controles dos processos, incluindo inspeção, medição e ensaios e dispositivos à prova de falhas, que incluam o controle primário dos processos e um backup aprovado ou métodos alternativos, devendo estes estar baseados no processo de análise de risco (FMEA).
9 Avaliação de desempenho
Monitoramento, medição, análise e avaliação / Monitoramento e medição dos processos de manufatura: a organização deve realizar os estudos em todos os processos novos de manufatura para verificar a capabilidade do processo e para fornecer entradas adicionais ao controle do processo.
Estes estudos devem ser focados nas características especiais, devendo os resultados dos estudos da capabilidade do processo de manufatura (CEP) ser mantidos ou melhorados, quando comparados com os resultados durante o processo de aprovação pelo cliente (PPAP).
Identificação de ferramentas estatísticas: aqui estão os requisitos que define a necessidade de determinação das técnicas estatísticas apropriadas., as quais devem estar incluídas no processo de planejamento avançado da qualidade do produto (APQP) e incluídas na análise de risco do projeto (DFMEA), na análise de riscos do processo (PFMEA) e no plano de controle.
Aplicação dos conceitos de estatística: os funcionários envolvidos na coleta, análise e gerenciamento dos dados estatísticos (CEP) devem ter conhecimentos adequados sobre os conceitos estatísticos, tais como variação, controle (estabilidade), capabilidade do processo e consequências do “supercontrole”.
9.3 Análise crítica pela direção
Entradas da análise crítica da direção: Durante as análises críticas pela direção, devem ser consideradas como entradas as identificações de potenciais falhas de campo identificadas através da análise de risco (FMEA).
10 Melhoria
Não conformidade e ação corretiva / Solução de problema: Como parte do processo documentado para a solução de problemas, devem ser consideradas as análises de falhas e riscos, além dos controles de prevenção e detecção definidos no DFMEA, PFMEA e plano de controle, devendo revisar e atualizar estes documentos, como apropriado, a cada ocorrência de não conformidade relacionada com o produto ou processo de manufatura.
Prova de erro: este é mais um ponto muito importante e muitas vezes ignorada por algumas organizações. Este item normativo define que a organização deve ter um processo documentado para determinar o uso da abordagem de metodologias “à prova de erro”, incluindo o processo de análise de risco (PFMEA), estando os métodos e frequências de testes do funcionamento destas metodologias “à prova de erro” documentadas no plano de controle.
Melhoria contínua – suplemento: No processo documentado para melhoria contínua, a organização deve incluir a identificação da metodologia usada, objetivos, medições, eficácia e informações documentadas, além de plano de ações de melhoria para o processo de manufatura com ênfase na redução da variação e resíduos do processo, incluindo esforços para a análise de risco (FMEA).
Estas ferramentas são usadas somente no desenvolvimento de produto?
Este é um ponto muito importante de abordar para encerrarmos este artigo.
Todos os Core Tools foram inicialmente elaborados para serem parte do desenvolvimento de novo produto e processo de manufatura, sem dúvida alguma!
Porém os mesmos não devem ser utilizados até o cliente aprovar o PPAP e depois arquivo!
O APQP e o PPAP são ferramentas que servem sim para o desenvolvimento de novos produtos/ processos de manufatura e para modificações nos mesmos, porém os demais devem ser “ferramentas vivas”, continuarem a ser parte da rotina das atividades do Sistema de Gestão das organizações:
FMEA: atualização constante e implementação de ações para a melhoria contínua, para redução do risco identificados no desenvolvimento e também para realimentar a ocorrência de falhas internas ou externas.
Esta revisão deve reavaliar se estes modos de falhas já estavam previstos, os efeitos e as causas eram os mesmos e se os fatores de risco, principalmente a severidade e o índice de ocorrência foram os mesmos, além de avaliar se o “poder de detecção” era o mesmo;
CEP: como o próprio nome diz, o Controle Estatístico do Processo é diferente de fazer um estudo estatístico pontual, apenas para compor a aprovação do PPAP ou para um estudo a cada 1 ou 2 anos.
Deveria ser avaliada a necessidade e aplicabilidade de ter um controle estatístico contínuo baseado nas características críticas identificadas pela equipe multidisciplinar durante a elaboração do PFMEA;
MSA: apesar de não haver uma definição de periodicidade de novos estudos no manual do AIAG, avaliando pelo prático da sua utilização, deveriam existir estudos periódicos para avaliar se os sistemas continuam confiáveis, principalmente devido a mudanças.
Situações como a aquisição de muitos novos sistemas de medição, mudanças nas técnicas e métodos de inspeção, novos colaboradores, ocorrências de não conformidades de produto que podem ter sido originadas por falhas na detecção, muitas reprovações nas calibrações dos instrumentos de medição, entre outras, deveriam ser consideradas na definição da necessidade da realização de novos estudos.
Esperamos que os detalhes apresentados neste artigo auxiliem você a melhorar a compreensão da finalidade, dos requisitos e da aplicação de cada um dos Core Tools, além de entender a relação de cada um deles com os requisitos normativos da IATF 16949:2016.