Para Deming, esse é um erro cujas consequências foram nefastas: as organizações passaram a pensar qualidade e produtividade de maneira fragmentada, ter menos constância no planejamento de produtos e serviços, altíssima ênfase em ganhos de curto prazo, suposição de que precisariam de muita tecnologia para transformar o negócio. Estas por sua vez levaram a crenças como a de que qualidade significaria apenas seguir as especificações e de que a responsabilidade pela falta de qualidade seria sempre da equipe.
A tese de Deming contra esse estado de coisas – que vemos desenvolvida em sua completude no livro Out of the crisis – é a de que melhorar a qualidade significa melhorar a produtividade.
A qualidade levaria à diminuição das perdas e do retrabalhado, as quais promoveriam uma cascata de efeitos positivos, como menores custos, profissionais mais satisfeitos, clientes satisfeitos etc.
Qualidade, porém, vai além das palavras. Começa na intenção da direção, para se espraiar pela organização. Demanda, portanto, uma ação a nível de sistema, sendo responsabilidade da gestão. Exigir que os funcionários façam bem o seu trabalho é inútil.
Que espécie de qualidade é essa de que Deming fala? Esse conceito é desdobrado por ele em 14 princípios.
Veja neste artigo, de forma resumida, quais são esses 14 princípios ou pontos de Deming.
14 princípios de Deming
1. Crie constância de propósito na melhoria dos produtos e serviços, com o objetivo de se tornar competitivo e estar no mercado, além de gerar trabalho.
Uma organização competitiva deve sempre repensar seus produtos, tanto no que respeita a especificações e aspectos produtivos quanto no que concerne à sua evolução.
Por isso, Deming distingue, sobre esse princípio, dois pontos que as empresas devem atentar:
- Problemas de hoje: relativos à manutenção da qualidade do produto, regulações, vendas e lucratividade, entre outros pontos que devem ser observados no curto prazo.
- Problemas do amanhã: concerne à busca por uma melhor posição competitiva ao longo do tempo, por meio da inovação, pesquisa, educação e melhoria.
2. Adote a nova filosofia. Estamos em uma nova era econômica. A gestão ocidental deve acordar para esse novo desafio, deve aprender quais são suas responsabilidades e liderar para a mudança.
Para Deming, o Japão deu início a uma nova era econômica, que revelou os problemas que afetam o modelo de gestão ocidental (norte-americano). Esse diagnóstico pede uma transformação, que começa com a aproximação entre qualidade e produtividade proposta nos 14 princípios de Deming.
3. Pare de depender da inspeção para alcançar a qualidade. Elimine a necessidade de basear, em primeiro lugar, na inspeção em massa a garantia da qualidade.
Nesta etapa, Deming faz uma crítica à inspeção total. Ela estaria assentada no reconhecimento da impossibilidade de um processo atender às especificações do produto. Para ele, essa qualidade chega tarde e, por isso mesmo, acaba sendo custosa.
Para Deming, a qualidade deve vir da melhoria do processo, não exclusivamente da inspeção. Processos constantemente otimizados tendem à perfeição, logo a menos erros e desvios.
4. Pare com a prática de escolher negócios com base no preço. Minimize o custo total. Tenha um fornecedor único para um item, numa relação de longo prazo de lealdade e confiança.
Para Deming, o critério de preço não tem significado frente à qualidade e ao serviço prestados. Com belas palavras, Deming diz que o batato sai caro e, pior do que isso, traz dissabores.
Embora a manutenção de fornecedores exclusivos seja, em tempos pós-pandêmicos, questionável, ela frisa dois pontos que devem ser trabalhados em qualquer relação com fornecedores: a lealdade e a confiança.
5. Melhore constante e para sempre o sistema de produção e prestação de serviço, para melhorar a qualidade e a produtividade, reduzindo constantemente o custo.
Deming frisa que a qualidade deve ser pensada nos primeiros estágios da produção, isto é, desde o design de um produto ou serviço.
Esse é um princípio valioso, porque vai varantir que os processos de controle e garantia da qualidade entrem mais naturalmente nos processos produtivos.
6. Institua treinamentos na função.
Neste ponto, Deming reforça a necessidade de treinamentos que levem a conhecer a empresa e seu chão de fábrica, mais do que apenas desenvolver a competência necessária para realizar o trabalho em si.
Essa visão mais abrangente leva a uma compreensão da função de cada indivíduo dentro da estrutura organizacional.
7. Institua liderança. O objetivo da supervisão deve ser ajudar as pessoas, máquinas e ferramentas a fazer o melhor trabalho. A supervisão da gestão, assim como dos colaboradores da produção, é em vista da revisão.
Quando Deming se refere à liderança, ele pensa muito além da simples supervisão. A liderança precisa conhecer o trabalho da equipe e, mais que isso, ganhar a confiança de cada membro, além de apenas se preocupar com os números e resultados. Trata-se de ajudar cada colaborador a melhorar o seu trabalho sempre de uma perspectiva positiva.
8. Afaste o medo, para que todos possam trabalhar efetivamente pela empresa.
Esse princípio de Deming completa o anterior. Para ele, uma pessoa insegura jamais realizará o máximo de seu desempenho. Deixe a equipe segura para se posicionar, expressar ideias e fazer perguntas. Não constranja ou pressione a equipe.
9. Quebre as barreiras entre os departamentos. Pessoas na pesquisa, design, vendas e produção devem trabalhar como um time, para prever problemas de produção e que possam impactar produtos ou serviços.
O trabalho em equipe, segundo Deming, compensa as fraquezas individuais de um com as forças individuais de outros, tornando o resultado final bem maior que a simples soma das partes.
10. Elimine slogans, incentivos e metas de zero defeitos e níveis de produtividade para a força de trabalho. Essa pressão só cria relações tensas, uma vez que o grosso das causas da baixa qualidade e da baixa produtividade pertencem ao sistema e jazem além do poder da força de trabalho.
Exortar os colaboradores a aumentar a produtividade, quando não há nada que os ajude a fazer melhor o trabalho deles. Muitas dessas exortações surgem da falsa suposição da gestão de que os trabalhadores podem, por sua própria conta, realizar uma produção zero defeitos, melhorar a qualidade, aumentar a produtividade e assim por diante. Porém, a maioria dos defeitos vem do sistema, de cuja responsabilidade é a gestão.
Por isso, não raro, slogans de produtividade causam frustração e ressentimento na equipe, levando ao oposto do efeito desejado.
11a. Elimine níveis ou quotas de produção no chão de fábrica.
De acordo com Deming, taxas de produção diária são incompatíveis com os conceitos de melhoria contínua e produtividade.
11b. Elimine a gestão por objetivo. Elimine a gestão por números e objetivos numéricos.
O ponto de Deming, sobre esse princípio, é que, se o sistema é estável, ter um objetivo não se aplica. Se o sistema não for estável, então você não tem como setar a meta porque não sabe o que o sistema produzirá.
Esse é um princípio controverso, se considerarmos os parâmetros atuais.
12a. Remova barreiras que subtraiam do trabalhador o direito de se orgulhar de seu ofício. A responsabilidade dos supervisores deve sair dos números absolutos para a qualidade.
Para Deming, se o trabalhador atua em um ambiente tão instável que não consegue determinar se o seu trabalho está certo ou não está, seu trabalho é uma commodity. Buscar a qualidade significa sair do único e exclusivo parâmetro de uma resultado ou quota de saída.
13. Institua um programa forte de educação e desenvolvimento.
Uma empresa precisa de boas pessoas, diz Deming, mas acima de tudo de pessoas que possam evoluir por meio da educação.
14. Coloque todo mundo para trabalhar pela transformação. A transformação é um trabalho de todos.
Preparar funcionários de diferentes setores para trabalhar em equipe, contribuindo com ideias, planos e iniciativas está no core de uma empresa que busca a transformação.
Desdobramentos dos 14 princípios de Deming
Ao longo do Out of the crisis, Deming traz inúmeros casos de sucesso da aplicação de seus princípios separadamente ou em conjunto. Seu grande exemplo e inspiração são as empresas japonesas.
Como todo princípio, porém, os princípios de Deming não engendram em si imediatamente um método ou prática para atendê-los. Ao contrário, eles são guias e direcionadores contra os quais as ações de uma organização devem ser sempre confrontados.
A bem da verdade, mesmo as organizações que buscam proativamente atuar de maneira condizente com eles vão enfatizar e amalgamar diferentes princípios em suas práticas gerenciais, conforme as prioridades do momento.
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